Shadow of the Giant

shadow-of-the-giantFiquei temeroso após a leitura de Shadow Puppets. Temia que o final da série fosse incrivelmente insatisfatório. Enquanto adorei o primeiro livro e gostei do segundo, o terceiro me deixou um bocado reticente quanto à conclusão do arco Shadow do “Enderverse” de Orson Scott Card. Os motivos estavam todos lá (e todos na resenha, também): uma espécie de doutrinação ideológica, uma mudança de foco em relação aos acontecimentos principais e “grandiosos” do enredo, uma mudança de personalidade de certas figuras-chave do mundo que me deixaram um tanto desgostoso com o terceiro volume.

O encerramento (a princípio) do arco Shadow em Shadow of the Giant era um que eu não sabia muito como deveria se desenrolar.  Logicamente, aqui começam os spoilers já que se trata do quarto livro de uma série e necessariamente pressupõe alguns acontecimentos dos volumes anteriores. 

O maior antagonista da série foi enfim derrotado no livro anterior, então no começo parecia que nós não teríamos muito uma figura antagônica com a qual lidar. Ledo engano: algumas das personagens que, em um período anterior, mantiam-se neutros em relação ao maior conflito da história, ou até ajudavam nos desígnios dos personagens principais, agora levam a cabo os seus próprios interesses e assumem posições que podemos considerar, se não antagônicas, no mínimo detrimentais.

Temos mais uma vez um foco duplo, mas que dessa vez se entrelaça melhor e em dose mais moderada: ao mesmo tempo em que acompanhamos as peripécias político-miliares de Peter Wiggin, hegemon, procurando alcançar enfim uma neutralização das maiores ameaças militares e buscando uma unificação global, acompanhamos a busca de Bean e Petra por seus oito infantes que durante os acontecimentos do livro anterior foram implantados por Achilles em mães em diversas partes do mundo. Como esta procura se dá mais através de tecnologias, análise de padrões e coisas do gênero, não temos mais o thriller de correria, ocultamento e perseguição que caracterizou o núcleo de Bean de Shadow of the Hegemon até agora. Os personagens estão enfim estabelecidos e não sofrem ameaças imediatas, o que é provavelmente a maior mudança deste livro para os outros.

Como que para fechar enfim o núcleo geopolítico, opta-se por um foco então maior aos acontecimentos orquestrados por Peter e seus novos antagonistas, cabeças militares e políticas das maiores potências a ameaçar a paz mundial: os graduados da Escola de Combate Alai (na frente do Islã unificado), Han Tzu (ou “Hot Soup”, coroado no começo da história imperador da China) e Virlomi (vista como uma deusa na terra pela nação indiana). Como não podia deixar de ser, temos uma constante mudança de alianças, jogos de traição e manobras por parte dos quatro para assegurar os próprios interesses.

Não que o núcleo Bean-Petra não tenha a sua importância e seu foco, e também que a não-tão-sutil doutrinação de Card não esteja presente neste livro. Estão, mas em uma maneira substancialmente mais moderada que em Puppets, e até de maneira mais sensível agora a ambos os personagens, pois seus acontecimentos aqui, com Bean cada vez mais próximo da inevitável morte por insuficiência cardíaca em seu gigantismo, assumem um tom mais trágico e emocional em contraste ao angst das iterações anteriores.

É, também, uma experiência bastante divertida e interessante em termos de “imagem mental” ter visto como a transição do tamanho de Bean foi feita de maneira quase natural em nossa mente: como ele passou de menor criança da Escola de Combate em Ender’s Shadow para o Gigante lendário de Shadow of the Giant, onde o seu próprio tamanho assusta os inimigos de guerra e quando somos a vários momentos lembrados que Bean está desproporcionalmente enorme.

O livro e seu arco se encerram de uma maneira que, se não é previsível, teve um satisfatório foreshadowing e não pareceu inventada na hora pelo autor. É, também, um final bastante emocional, que pode vir a tocar aqueles que se apegaram aos protagonistas durante todo este tempo. Algumas coisas que supus que fossem acontecer não se deram, e o livro quebrou algumas expectativas — de maneira justificada — de maneira que não me surpreenderam mas deixaram com uma sensação do tipo “é, é a vida”. Melhor não me alongar muito aqui.

Mas o final também faz uma ligação muito bem-vinda com o final de Ender’s Game, lembrando-nos que o período entre o primeiro e o segundo livro do quarteto original do “Endeverse” comporta mesmo mais do que vimos durante todos estes quatro livros do quarteto “Shadow”. A história continuaria em Shadows in Flight, que é meio que um “extra” da série, que não considero muito parte do arco, por um lado, pois é uma história meio destacada das demais; por outro, ainda é digna de ter o nome devido aos personagens que estrela.

No saldo geral da série, os quatro livros formam uma história de apelo bastante distinto do quarteto “Ender”, focando mais em um aspecto geopolítico, um “thriller do futuro próximo” e através do apelo ao nosso apego aos protagonistas da Escola de Combate. Apesar da tropeçada de Shadow Puppets e também dos leves deslizes aqui em Shadow of the Giant, não é uma experiência de se jogar fora. Considero ainda Ender’s Shadow o melhor dos quatro, e por conveniência é o único que pode ser lido sem necessidade imediata de uma sequência, já que os outros dois não terminam com finais satisfatórios por si só.

Agora, mesmo, é hora de pegar Speaker for the Dead e continuar a saga de Ender Wiggin, do qual eu sinto saudades.

Orson Scott Card

Orson Scott Card


Ficha técnica

  • Tìtulo: Shadow of the Giant
  • Ano de publicação: 2006
  • Edição lida: Tor Scince Fiction, 2006. Mass market paperback.
  • Número de páginas: 384

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