companhia das letras

Reprodução

110_41-Carvalho-ReproduçãoUma irônica comédia dos mal entendidos, Reprodução é o livro mais recente do contemporâneo Bernardo Carvalho. Somos apresentados ao estudante de chinês, perfeito cidadão médio brasileiro, leitor de colunas, jornais e blogs. Fruto da sociedade da informação, ele se considera e brada a alta voz que é informado, que não é racista (afinal, brasileiro o é), tolerante e ciente de seus direitos. Ao encontrar sua ex-professora de chinês em um aeroporto, donde pretendia partir para Pequim, é detido pela polícia do aeroporto. Aparentemente, a professora está metida em alguma ação criminosa e, como a cumprimentou (infelizmente, sem entender seu chinês), agora é suspeito, cúmplice, ou algo que o valha.

O recurso narrativo usado durante a maior parte do romance é o diálogo de um lado só. A voz do estudante de chinês é ouvida, própria e cômica, enquanto conversa com o delegado que o interroga — e não ouvimos as falas do policial. O livro então encadeia-se em um fluxo de conversa unilateral e constante, sem pausa, sem parágrafo; apenas períodos encadeados e seguidos. Ponto, exclamação, repetição, mal entendido. Aos poucos, o estudante de chinês conta mais sobre si mesmo, sobre seus valores e suas opiniões — mesmo quando não são pedidas. Sente uma necessidade de opinar, de dar palpite, de compartilhar sua moral e suas ações. (mais…)

A invenção da solidão

5901768Observação: Mais uma vez, este foi feito para um trabalho da faculdade e pode destoar de estilo, voz, e presença de spoilers. Desta vez, é apenas um rascunho, e provavelmente será alterado até o mês que vem, quando eu tiver de entregar a versão final.

A invenção da solidão é, antes de um, dois livros. Convenientemente dividido em ambas as partes, a experiência, as vozes, a estrutura e os sentimentos suscitados por Retrato de um homem invisível são algo diferentes do que o seriam por O livro da memória. Entretanto, a união, não só temática, mas também em honestidade apresentadas por seu autor, Paul Auster, em ambos, faz do volume em duas partes um livro duplo.

A apresentação feita de Sam Auster por seu filho, Paul, pouco tempo após o final de sua vida, acaba na construção de um retrato comovente. Há a constante preocupação de não se construir uma imagem unilateral — e mais, superficial — de um homem que parece, senão caricato, no mínimo anedótico. Sua insistência em guardar o dinheiro (“como segurança”), os seus hábitos de usar roupas de segunda mão, barganha como meio de vida, a eliminação das distinções entre produtos, sua relativização de tudo através do mínimo denominador comum do preço. Fácil seria entregar-se à tentação de deixar estes aspectos falarem por si só, criarem a imagem perfeita do sovina. Assim como seria fácil, por sua distração, sua solidão, sua barreira de si contra o mundo, pintá-lo como o pai ausente por excelência. (mais…)

As brasas

brasasObservação: aqui temos alguns spoilers, o que, se vocês tem interesse em ler o livro, recomendo que evitem. Leia por sua conta e risco!

Enfim, a vingança. Dois homens sentados em um cômodo iluminado apenas pelas chamas hesitantes de candelabros acesos e pelas brasas de uma lareira. As brasas não queimam há quarenta e um anos, o mesmo tempo em que estes dois homens, outrora inseparáveis amigos, não se viam ou sequer se comunicavam. Um monólogo, uma pergunta. E a resposta, onde está?

As brasas, de Sandor Márai, é uma obra que, ao fim da leitura, deixa a impressão de que deve ser melhor aproveitada por aqueles com uma vivência mais longa; uma bagagem existencial de um amor perdido, uma amizade frustrada. Os temas do livro podem ressoar no leitor jovem, mas a sua empatia por excelência deve-se dar com aqueles que, como Atlas, já carregaram o firmamento nas costas. Temas como a solidão e o desajuste; a diferença social, amores correspondidos ou nem tanto. Ciúmes, raiva, e a ação inexorável do tempo, pronto para privar o homem de sua paixão, de matá-lo pouco a pouco conforme ele entende o mundo, até, de fato, apagarem-se as suas brasas. (mais…)